domingo, 19 de junho de 2011

"O Guerreiro Silencioso" e a metáfora religiosa

No meu post passado, eu falei sobre a importância da técnica para a produção cinematográfica, podendo parecer que o conteúdo ficasse subjugado a esta. Bem, certamente não é isso o que acontece, e muito menos não foi isso o que eu quis dizer. Por isso, neste post irei deixar um pouco os aspectos técnicos de lado para falar justamente sobre um dos melhores exemplos de manuseio do conteúdo que eu já vi em um filme.


O Guerreiro Silencioso (Valhalla Rising) é um filme dinamarquês de 2009 que, como a maioria dos filmes incomuns, foi lançado direto em DVD no Brasil. A história se passa por volta do ano 1000 A.C. e acompanha um misterioso guerreiro viking escravizado na sua jornada que nunca é sua própria, mas de quem o “possui”. Após ser usado sucessivas vezes como “galo de briga” pelo seu dono, este consegue escapar e matar todos do grupo com exceção de um garoto, que a partir daí o acompanha vagando pelo nada. Em certo ponto, eles se deparam com um grupo de Cavaleiros Templários, unindo-se a eles em troca de comida.

Esse é um daqueles filmes em que o trailer engana muito o espectador desavisado, podendo se tornar uma grande decepção para quem espera um filme de ação ou de guerra medieval. Isso porque a história se detém mais na dramaticidade e na linguagem simbólica do que nos fatos em si. O fato de o guerreiro não falar em momento algum e só se comunicar com os outros através do garoto, que fala como se lesse a mente do guerreiro, pode ser interpretado como uma grande metáfora sobre o cristianismo.

Peço licença agora para expor a minha visão sobre os significados do filme. Eu enxerguei o protagonista como uma representação de Deus, aquele que nunca fala diretamente aos homens e que é dotado de um grande poder (no caso, a força física descomunal do guerreiro) incompreensível para os humanos. Já o garoto, que é o meio por qual o guerreiro se comunica com os outros, pode ser entendido como Jesus, o único que entende e expõe a palavra de Deus para a humanidade.

Em certo ponto do filme, o grupo de cavaleiros, juntamente com o guerreiro e o garoto, chega a um lugar que, para os próprios personagens, lembra o Inferno: um lugar vazio, sombrio, misterioso e silencioso. Isso pode até ser visto como uma referência à catábase ao Hades dos principais heróis da mitologia grega, fato que em tal contexto representa um ritual de passagem, uma necessidade de descer aos confins do mundo e retornar à vida para ser consagrado como herói após tal provação.

Concordo que provavelmente eu tenha “viajado” muito nesta interpretação, e que a intenção dos realizadores pode não ter nada a ver com ela. Porém, esta idéia se mostrou tão constante para mim no decorrer do filme que eu não me atreveria a expô-la aqui se não parecesse fazer muito sentido. Talvez fosse melhor eu expor algumas passagens que exemplificam melhor esta visão – como o final, que talvez seja a passagem mais reveladora e crítica sobre a relação entre os homens e suas crenças –, mas como compartilho da idéia de que quanto menos uma pessoa souber sobre um filme antes de assisti-lo, melhor, então privo dessa infelicidade os leitores que ainda não o fizeram.

Entretanto, o que realmente importa não é esta visão especifica sobre o filme, mas sim o fato de ele permitir este e outros tipos de leitura aos espectadores, dando-lhes a oportunidade de participar ativamente na construção da obra. Para mim, é justamente isso que define uma produção artística de qualidade: algo que, embora encerre algo em si, permite também uma abertura para vários tipos de interpretação e de envolvimentos particulares por parte daqueles que têm contado com ela. Para os que não têm preguiça de refletir sobre uma obra em vez de somente engolir o que já foi mastigado, desejo um bom filme!

4 comentários:

Lapetit_th disse...

Gosto muito das postagens de cinema, por causa da estrutura que você utiliza no texto, expondo a técnica encontrada no filme e o seu ponto de vista sobre a obra.

Esse texto em especial aguçou a minha curiosidade até mais do que as postagens anteriores (apesar de ter baixado os filmes das postagens anteriores :P).

Parabéns pela postagem!

CA Ribeiro Neto disse...

Apesar de não ter religião, gosto muito de saber sobre esse assunto. Acho que vai ser o primeiro filme que tu indicou aqui que vou baixar!

Lucas Heiki disse...

Gostei muito de sua interpretação queria só tentar entender se eles foram para a groelandia?????

PedroHenrique disse...

Eu sei q já faz tempo, mas assisti o filme só agora, e tive a mesma interpretação que vc; só que em vez de "Deus" e "Jesus", eles são respectivamente Odin e Thor.
Concordo também contigo sobre uma boa obra de arte ser aberta a diferentes interpretações e visões, e apesar de eu ter começado a ver o filme achando que era um épico viking de ação, eu terminei ele com a impressão de ter visto uma verdadeira obra de arte.
Fora os "efeitos" de sangue jorrando. Mal feito e desnecessário.
E respondendo um comentário anterior, eles chegaram na América do Norte (acho). Onde há evidências da visita dos povos nórdicos séculos antes dos espanhóis.